14/09/2017
Anunciar o evangelho e doar a própria
vida (1Ts 2,8) – Introdução à primeira carta aos Tessalonicenses
Por Maria Antônia Marques
Na primeira carta aos
Tessalonicenses, há expressões afetuosas, como a ternura de uma mãe
“acariciando os filhos” (1Ts 2,7) ou: “Tratamos cada um de vocês como um pai
trata seus filhos” (1Ts 2,11b). Impedidos de estar com a comunidade, os
missionários afirmam: “Quanto a nós, irmãos, por algum tempo estivemos de vista
separados de vocês, mas não de coração, e redobramos nossos esforços pelo
ardente desejo de vê-los novamente” (1Ts 2,17).
Como mãe, pai e irmão, Paulo e seus
colaboradores expressam forte laço familiar com a comunidade, sobretudo na
primeira parte da carta (1Ts 1-3). Na segunda parte (1Ts 4-5), há orientações,
palavras de encorajamento e exortações (1Ts 4-5): “Irmãos, nós lhes pedimos e
encorajamos no Senhor Jesus: vocês aprenderam de nós como devem viver para
agradar a Deus. Vocês já vivem assim, mas devem continuar progredindo” (1Ts
4,1); “Nós, que somos do dia, fiquemos sóbrios, revestindo a armadura da fé e
do amor, e o capacete da esperança da salvação” (1Ts 5,8).
Contexto
É uma carta repleta de amor, alegria,
preocupação e exortação! Considerando o contexto no qual a carta surgiu,
compreende-se o imenso desejo dos missionários de estar com seus fiéis para
“acariciar” e “encorajar”. Expulsos de Filipos, na Macedônia, por causa da
perseguição da autoridade romana (1Ts 2,2), Paulo e Silas (Silvano)
dirigiram-se à cidade de Tessalônica, capital da província, onde fundaram a
comunidade. Aí também eles foram perseguidos, tendo de partir para Bereia, onde
novamente foram ameaçados.
A perseguição só parou quando
deixaram a Macedônia e chegaram a Atenas, província da Acaia, outra jurisdição
romana. Em Atenas, Paulo enviou seu fiel colaborador Timóteo para verificar a
situação da comunidade de Tessalônica. De volta, Timóteo encontrou Paulo em
Corinto, dando-lhe a boa notícia da perseverança da comunidade e falando-lhe
também sobre a tribulação e os problemas do cotidiano: “É que vocês se tornaram
imitadores nossos e do Senhor, acolhendo a Palavra com a alegria do Espírito
Santo, apesar de tantas tribulações” (1Ts 1,6).
As tribulações eram inevitáveis! Ao
anunciar o evangelho de Jesus crucificado como Messias e salvador, Paulo e seus
seguidores ameaçavam a sociedade escravagista, controlada pela força do império
romano com a figura poderosa do imperador, messias e salvador: “O nosso
evangelho não chegou a vocês apenas com palavras, mas também com poder, com o
Espírito Santo, e com toda a convicção” (1Ts 1,5). No mundo escravista, o
evangelho teve o poder de formar a comunidade na liberdade, na igualdade e na
fraternidade. O evangelho de Jesus crucificado estava na contramão da proposta
do império romano. Daí a perseguição!
A perseguição atingiu duramente
Paulo, seus colaboradores e a comunidade, cujas vidas já eram bastante
sofridas: a maioria dos membros da comunidade cristã de Tessalônica, como a de
Corinto, era constituída por escravos. Trabalhadores braçais sem direito a
cidadania, sofriam muito mais com a exploração, a violência e a humilhação:
“Passamos fome e sede, estamos malvestidos, somos maltratados, não temos morada
certa, e nos cansamos trabalhando com as próprias mãos” (1Cor 4,11-12; cf. 1Ts
2,9). Uma vida ameaçada! Por isso, é muito compreensível que a comunidade de
Tessalônica esperasse ansiosamente pela vinda do Senhor Jesus, o dia da salvação:
“Quanto a datas e momentos, irmãos, não é necessário escrever-lhes. Pois vocês
sabem muito bem que o Dia do Senhor virá como ladrão à noite” (1Ts 5,1).
A vida ameaçada também faz parte da
realidade que experimentamos em nossa sociedade. Basta recordar algumas
notícias nos meios de comunicação: “6 homens têm a mesma riqueza que 100
milhões de brasileiros juntos”; “Desemprego no Brasil atinge mais de 12
milhões”; “Dos 5 milhões de estabelecimentos rurais, a metade possui menos de
10 hectares, numa área de aproximadamente 7,9 milhões de hectares. Já os 37
maiores latifúndios possuem juntos 8,3 milhões de hectares”; “Hoje, no Brasil,
temos 60 milhões de pobres e outros tantos milhões abaixo da linha de
indigência”; “Onda de violência gera morte dentro e fora de presídios”; “A
operação Lava Jato: fraude e corrupção na administração política”; “Desastre
ambiental da Samarco”, entre tantas outras.
Má distribuição de renda,
concentração da terra, desemprego, corrupção, violência, desastre ambiental,
pobreza, fome, doença e morte ameaçam a vida cotidiana das pessoas. Como no
tempo de Paulo, os poderosos de hoje, com sua ganância e ambição, sacrificam a
vida humana e a mãe natureza: “Pois bem, sabemos que a criação inteira geme e
sofre até agora com dores de parto” (Rm 8,22).
Com afeto e preocupação, Paulo e seus
colaboradores escreveram a primeira carta aos Tessalonicenses, para encorajar e
orientar a comunidade que estava ameaçada: “Sem cessar, lembramos a obra da fé,
o esforço do amor e a constância da esperança que vocês têm no Senhor nosso
Jesus Cristo, diante de Deus nosso Pai” (1Ts 1,3). É necessário fortalecer a
perseverança da comunidade com a fé ativa, o amor fraterno e a esperança
teimosa, como motor na caminhada, rumo à realização do projeto de Jesus crucificado
e ressuscitado: para que nele nossos povos tenham vida. Junto com Paulo e seus
companheiros, vamos colocar nossos pés na cidade de Tessalônica.
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