PAPA FRANCISCO
Neste ano de 2015, o Dia Mundial das
Missões tem como pano de fundo o Ano da Vida Consagrada, que serve de estímulo
para a sua oração e reflexão. Na verdade, entre a vida consagrada e a missão
subsiste uma forte ligação, porque, se todo o batizado é chamado a dar
testemunho do Senhor Jesus, anunciando a fé que recebeu em dom, isto vale de
modo particular para a pessoa consagrada. O seguimento de Jesus, que motivou a
aparição da vida consagrada na Igreja, é reposta à chamada para se tomar a cruz
e segui-Lo, imitar a sua dedicação ao Pai e os seus gestos de serviço e amor,
perder a vida a fim de a reencontrar. E, dado que toda a vida de Cristo tem
carácter missionário, os homens e mulheres que O seguem mais de perto assumem
plenamente este mesmo carácter.

A missão é uma paixão por Jesus
Cristo e, ao mesmo tempo, uma paixão pelas pessoas. Quando nos detemos em
oração diante de Jesus crucificado, reconhecemos a grandeza do seu amor, que
nos dignifica e sustenta e, simultaneamente, apercebemo-nos de que aquele amor,
saído do seu coração trespassado, estende-se a todo o povo de Deus e à
humanidade inteira; e, precisamente deste modo, sentimos também que Ele quer
servir-Se de nós para chegar cada vez mais perto do seu povo amado (cf. Ibid.,
268) e de todos aqueles que O procuram de coração sincero. Na ordem de Jesus –
«Ide» –, estão contidos os cenários e os desafios sempre novos da missão
evangelizadora da Igreja. Nesta, todos são chamados a anunciar o Evangelho pelo
testemunho da vida; e, de forma especial aos consagrados, é pedido para ouvirem
a voz do Espírito que os chama a partir para as grandes periferias da missão,
entre os povos onde ainda não chegou o Evangelho.
O cinquentenário do Decreto conciliar
Ad gentes convida-nos a reler e meditar este documento que suscitou um forte
impulso missionário nos Institutos de Vida Consagrada. Nas comunidades
contemplativas, recobrou luz e eloquência a figura de Santa Teresa do Menino
Jesus, padroeira das missões, como inspiradora da íntima ligação que há entre a
vida contemplativa e a missão. Para muitas congregações religiosas de vida
ativa, a ânsia missionária surgida do Concilio Vaticano II concretizou-se numa
extraordinária abertura à missão ad gentes, muitas vezes acompanhada pelo
acolhimento de irmãos e irmãs provenientes das terras e culturas encontradas na
evangelização, de modo que hoje pode-se falar de uma generalizada
interculturalidade na vida consagrada. Por isso mesmo, é urgente repropor o
ideal da missão com o seu centro em Jesus Cristo e a sua exigência na doação
total de si mesmo ao anúncio do Evangelho. Nisto não se pode transigir: quem
acolhe, pela graça de Deus, a missão, é chamado a viver de missão. Para tais
pessoas, o anúncio de Cristo, nas múltiplas periferias do mundo, torna-se o
modo de viver o seguimento d’Ele e a recompensa de tantas canseiras e
privações. Qualquer tendência a desviar desta vocação, mesmo se corroborada por
nobres motivações relacionadas com tantas necessidades pastorais, eclesiais e
humanitárias, não está de acordo com a chamada pessoal do Senhor ao serviço do
Evangelho. Nos Institutos Missionários, os formadores são chamados tanto a
apontar, clara e honestamente, esta perspectiva de vida e ação, como a
discernir com autoridade autênticas vocações missionárias. Dirijo-me sobretudo
aos jovens, que ainda são capazes de testemunhos corajosos e de empreendimentos
generosos e às vezes contracorrente: não deixeis que vos roubem o sonho duma
verdadeira missão, dum seguimento de Jesus que implique o dom total de si
mesmo. No segredo da vossa consciência, interrogai-vos sobre a razão pela qual
escolhestes a vida religiosa missionária e calculai a disponibilidade que
tendes para a aceitar por aquilo que é: um dom de amor ao serviço do anúncio do
Evangelho, nunca vos esquecendo de que o anúncio do Evangelho, antes de ser uma
necessidade para quantos que não o conhecem, é uma carência para quem ama o
Mestre.
Hoje, a missão enfrenta o desafio de
respeitar a necessidade que todos os povos têm de recomeçar das próprias raízes
e salvaguardar os valores das respectivas culturas. Trata-se de conhecer e
respeitar outras tradições e sistemas filosóficos e reconhecer a cada povo e
cultura o direito de fazer-se ajudar pela própria tradição na compreensão do
mistério de Deus e no acolhimento do Evangelho de Jesus, que é luz para as
culturas e força transformadora das mesmas.
Dentro desta dinâmica complexa,
ponhamo-nos a questão: «Quem são os destinatários privilegiados do anúncio
evangélico?» A resposta é clara; encontramo-la no próprio Evangelho: os pobres,
os humildes e os doentes, aqueles que muitas vezes são desprezados e
esquecidos, aqueles que não te podem retribuir (cf. Lc 14, 13-14). Uma
evangelização dirigida preferencialmente a eles é sinal do Reino que Jesus veio
trazer: «existe um vínculo indissolúvel entre a nossa fé e os pobres. Não os
deixemos jamais sozinhos!» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 48). Isto deve ser
claro especialmente para as pessoas que abraçam a vida consagrada missionária:
com o voto de pobreza, escolhem seguir Cristo nesta sua preferência, não
ideologicamente, mas identificando-se como Ele com os pobres, vivendo como eles
na precariedade da vida diária e na renúncia ao exercício de qualquer poder
para se tornar irmãos e irmãs dos últimos, levando-lhes o testemunho da alegria
do Evangelho e a expressão da caridade de Deus.
Para viver o testemunho cristão e os
sinais do amor do Pai entre os humildes e os pobres, os consagrados são
chamados a promover, no serviço da missão, a presença dos fiéis leigos. Como já
afirmava o Concílio Ecumênico Vaticano II, «os leigos colaboram na
obra de evangelização da Igreja e participam da sua missão salvífica, ao
mesmo tempo como testemunhas e como instrumentos vivos» (Ad gentes, 41). É
necessário que os consagrados missionários se abram, cada vez mais
corajosamente, àqueles que estão dispostos a cooperar com eles, mesmo durante
um tempo limitado numa experiência ao vivo. São irmãos e irmãs que desejam
partilhar a vocação missionária inscrita no Batismo. As casas e as estruturas
das missões são lugares naturais para o seu acolhimento e apoio humano,
espiritual e apostólico.
As Instituições e as Obras Missionárias
da Igreja estão postas totalmente ao serviço daqueles que não conhecem o
Evangelho de Jesus. Para realizar eficazmente este objectivo, aquelas precisam
dos carismas e do compromisso missionário dos consagrados, mas também os
consagrados precisam duma estrutura de serviço, expressão da solicitude do
Bispo de Roma para garantir de tal modo a koinonia que a colaboração e a
sinergia façam parte integrante do testemunho missionário. Jesus colocou a
unidade dos discípulos como condição para que o mundo creia (cf. Jo 17, 21). A
referida convergência não equivale a uma submissão jurídico-organizativa a
organismos institucionais, nem a uma mortificação da fantasia do Espírito que
suscita a diversidade, mas significa conferir maior eficácia à mensagem
evangélica e promover aquela unidade de intentos que é fruto também do
Espírito.
A Obra Missionária do Sucessor de
Pedro tem um horizonte apostólico universal. Por isso, tem necessidade também
dos inúmeros carismas da vida consagrada, para dirigir-se ao vasto horizonte da
evangelização e ser capaz de assegurar uma presença adequada nas fronteiras e
nos territórios alcançados.
Queridos irmãos e irmãs, a paixão do
missionário é o Evangelho. São Paulo podia afirmar: «Ai de mim, se eu não
evangelizar!» (1 Cor 9, 16). O Evangelho é fonte de alegria, liberdade e
salvação para cada homem. Ciente deste dom, a Igreja não se cansa de anunciar,
incessantemente, a todos «O que existia desde o princípio, O que ouvimos, O que
vimos com os nossos olhos» (1 Jo 1, 1). A missão dos servidores da Palavra –
bispos, sacerdotes, religiosos e leigos – é colocar a todos, sem excluir
ninguém, em relação pessoal com Cristo. No campo imenso da atividade
missionária da Igreja, cada baptizado é chamado a viver o melhor possível o seu
compromisso, segundo a sua situação pessoal. Uma resposta generosa a esta
vocação universal pode ser oferecida pelos consagrados e consagradas através
duma vida intensa de oração e união com o Senhor e com o seu sacrifício
redentor.
Ao mesmo tempo que confio a Maria,
Mãe da Igreja e modelo de missionariedade, todos aqueles que, ad gentes ou no
próprio território, em todos os estados de vida, cooperam no anúncio do
Evangelho, de coração concedo a cada um a Bênção Apostólica.
Vaticano, 24 de Maio – Solenidade de
Pentecostes – de 2015.
FRANCISCO
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