Reflexões
de Dom Orani João Tempesta, arcebispo do Rio de Janeiro
Estamos vivenciando com toda a Igreja a celebração do Ano da Fé
convocado pelo Santo Padre Bento XVI, cuja vivência se estenderá até o mês de
novembro de 2013. O objetivo da convocação de todo um ano de celebrações
dedicado a esse tema tem por finalidade inserir a temática da Fé numa
perspectiva de redescoberta do valor que ela possui, para assim contextualizar
a importância da comemoração dos dois grandes acontecimentos celebrados pela
Igreja nos últimos anos: o 50º aniversário da abertura do Concílio Vaticano II
(1962-1965) e o 20º aniversário da promulgação do Catecismo da Igreja Católica.
O
Concílio Vaticano II, como sabemos, foi uma sábia e necessária contextualização
da Igreja em sua missão de “anunciar a Boa-Nova a todas as nações” (cf. Mc
16,15). Tratou-se de um aggiornamento, no dizer do Beato João XXIII, que
promoveu na Igreja uma atualização de seu papel na sociedade, renovando sua
pastoral no intuito de realizar melhor sua missão profética no mundo. O
Catecismo da Igreja Católica, por sua vez, seguindo os passos do Concílio no
tocante à explicitação clara e objetiva do conteúdo do Depósito da Fé, procurou
também expor a perene Doutrina Católica, atualizando a linguagem por meio da
qual ela é exposta e enfatizando sua essência, bem como iluminando e
transmitindo o conteúdo da Fé Cristã frente às questões da atualidade. Deste
modo, tanto o Concílio Vaticano II quanto o Catecismo da Igreja Católica
tiveram um primordial objetivo: sublinhar a essência da Fé Cristã para melhor
testemunhá-la na sociedade contemporânea. O anúncio da salvação em Cristo
constitui a essência da Igreja e é por meio dele que ela realiza sua missão de
santificar a humanidade.
Será
muito importante que aprofundemos o conhecimento de nossa fé tomando em nossas
mãos o youcat, versão jovem do
catecismo. Tanto poderia ser estudado na sequência em que foi impresso como
através dos temas que as (arqui)dioceses sugerem para cada mês. A juventude é
chamada a dar as razões de sua fé. Porém essa fé deve ser vivida intensamente,
e com alegria.
Atualmente,
percebemos com muita clareza que a nossa sociedade encontra-se gravemente
transformada; vivemos em meio a uma mudança radical de conduta, que é fruto da
inversão dos valores fundamentais do ser humano e da indiferença à
religiosidade, diante da qual a Igreja é novamente chamada a manifestar a
resposta cristã diante dos desafios que parecem estabelecer um “divórcio” entre
a Fé e a sociedade moderna.
Entretanto,
ainda que em meio a este ambiente de transformações, “não podemos esquecer que,
no nosso contexto cultural, há muitas pessoas que, embora não reconhecendo em
si mesmas o dom da Fé, todavia vivem uma busca do sentido último e da verdade
definitiva acerca da sua existência e do mundo” (Porta Fidei, n. 10).
Dentre estas pessoas, sem dúvida a juventude vive intensamente essa busca.
Bombardeada pelas ideologias que a sociedade contemporânea difunde e nas quais
fundamenta seus valores, a juventude vive essa busca da verdade e do sentido
último acerca de si mesmo e do mundo, e em cada jovem ressoa a necessidade de
conhecer a si mesmo e de transcender à descoberta do absoluto. Apesar das
revoluções e transformações das últimas décadas, tais como a globalização, os
progressos sempre crescentes dos meios de comunicação, a liberdade de
expressão, e tantas outras mudanças no contexto cultural, permanece sempre viva
na juventude a busca pelo que está além de tudo isso, pelo que a preenche de
maneira completa, por aquilo que lhe permite vivenciar o absoluto. Aliás, essa
busca é de todo o ser humano.
Nesta
busca da juventude imersa numa sociedade regida por valores tão contraditórios,
aos quais ela termina às vezes por aderir levada pela corrente do relativismo exacerbado,
abre-se como outrora aos gentios a porta da Fé (cf. At 14,27), que introduz na
vida de comunhão com Deus e permite a entrada na sua Igreja (cf. Porta Fidei,
n.1). Uma vez adentrando por essa porta da fé, o jovem descobre a maravilha
deste dom sobrenatural que ela é e inicia a vivência dos frutos de renovação
interior que o mesmo dom da fé origina.
O
primeiro fruto, certamente, é a resposta para as indagações sobre o sentido
último e sobre a verdade definitiva acerca da sua existência e do mundo. Em
Deus, que é a Verdade, contemplamos a verdade acerca de todas as coisas, pois ele
nos revela a verdade sobre nós mesmo sem Cristo Jesus, dando-nos a compreender
aquilo que não nos é acessível apenas pela razão. Esta descoberta, em se
tratando da juventude, promove um resultado magnífico: o jovem, uma vez pleno
do entusiasmo que a própria juventude lhe assegura, ao descobrir a verdade que
é Deus, revelada plenamente em Cristo, não a toma apenas para si mesmo, mas
vê-se impelido a transmiti-la aos demais jovens e assim a todos que vivem à sua
volta. Essa é a experiência dos primeiros cristãos, que uma vez abraçando a Fé,
descobriram que Deus é a verdade de todas as coisas e que nele está a resposta
para todas as nossas indagações.
Essa
experiência de Deus, que leva o jovem a irradiá-la aos demais, é precisamente o
segundo fruto que podemos colher ao adentrar a porta da Fé. Ela constitui a
finalidade do Ano da Fé, ou seja, o testemunho. Mais do que sempre, testemunhar
digna e verdadeiramente a Fé Cristã é uma necessidade dos últimos tempos, pois
a nossa juventude tem sede de inovações, e esta sede também é sentida no âmbito
da Fé. Disso surge a pergunta que certamente ecoa no coração dos pastores da
Igreja, que ecoou nesse Sínodo dos Bispos sobre a Nova Evangelização que
acabamos de celebrar, e que ecoará durante este Ano da Fé: como tornar a Fé uma
experiência atrativa para aqueles jovens que ainda não puderam adentrar pela
porta da Fé e assim conhecer a Verdade?
O
Cristianismo é uma experiência pessoal com Cristo, que se comunica conosco e
nos leva naturalmente a comunicar esta experiência, ou seja, a testemunhar a
maravilha desse encontro pessoal. Trata-se de transparecer a maravilhosa
aventura de crer, de evidenciar, por meio das várias circunstâncias da vida,
que Cristo nada nos tira, antes nos doa tudo, e que por isso não é preciso
temer a experiência com ele.
Desta
maneira, jovens, Cristo chama cada um de vocês a testemunhá-Lo de modo
autêntico, sincero e fiel. Certamente há quem se pergunte como fazê-lo; muitas,
pois, são as formas. Em primeiro lugar, na vivência do Ano da Fé, a juventude é
chamada a resgatar o valor da família. Atualmente, a vida acadêmica, o
engajamento no mercado de trabalho e as demais circunstâncias da vida de nossa
juventude terminam por fazer com que tempo algum seja dedicado a estar em
família, ao diálogo com os familiares. A família, conforme nos afirmou o Papa
Paulo VI, é a “Igreja do Lar”. Dessa maneira, é preciso que a nossa juventude
seja a protagonista de um resgate da família, pois vivê-la e manifestar assim
sua essência e sua importância é um concreto testemunho cristão.
Não
de menor importância é o testemunho da juventude no meio acadêmico e
profissional e, por isso, os jovens são chamados a manifestar na escola e na universidade
que a Fé Cristã não a tolhe, antes a motiva, pois a investigação acadêmica
também é um meio de se chegar à verdade das coisas, e que a alegria de servir a
Cristo e viver em comunhão com ele nos leva a descobrir que os caminhos da
ciência em busca do conhecimento têm seu valor, pois são formas de se chegar à
Verdade na qual tudo possui razão de existir. De igual maneira, a honestidade e
a dedicação próprias de um bom profissional também são um testemunho cristão,
uma vez que ao modelo de Cristo, que dignamente desenvolveu uma vida
profissional como operário, o cristão é chamado a construir uma sociedade por
meio de uma vida profissional digna e autêntica.
Na
simplicidade desses testemunhos de autêntica vida cristã, a mensagem de Cristo
será evidenciada naturalmente a todos quantos dele necessitam, e assim, a Fé
será irradiada não somente como uma experiência meramente pessoal e individual,
mas como uma ligação entre o ser humano e Deus, que estabelece uma fraternidade
entre todos que por ela se deixam abraçar, renovando e dando sentido pleno à
existência e respondendo às indagações mais profundas do íntimo de cada homem e
de cada mulher. O protagonismo da juventude nesse testemunho ganha especial
relevo à medida que os jovens são a esperança do amanhã e, por isso, uma vez
deixados abraçar pela experiência do encontro pessoal com Cristo, irradiam a
profundidade dessa experiência, estabelecendo assim uma fraternidade que,
centrada no próprio Cristo, constrói uma sociedade transformada pela ação salvífica
do Verbo de Deus, o próprio Cristo Jesus.
Em
suma, neste Ano da Fé, todos somos chamados a testemunhar de maneira objetiva a
Fé Cristã. Todavia, a juventude torna-se a protagonista deste testemunho à
medida que nela estão centradas as expectativas acerca do amanhã. Por isso, que
cada jovem viva intensamente sua vida cristã e fundamente-a por meio de uma
sólida vida espiritual. Deste modo, é imprescindível que a juventude creia
firmemente na Santíssima Eucaristia como fonte e ápice da vida cristã, e manifeste
essa fé por meio da fiel e ativa participação nas missas dominicais. Que a
juventude se reconheça sempre necessitada da misericórdia de Deus e por isso
não hesite em reconhecer e recorrer ao Sacramento da Confissão sempre que
necessário. E que, sobretudo, manifeste por meio da vida de oração a beleza e a
alegria do encontro pessoal com Cristo, do diálogo entre Deus e nós, seus
filhos. Assim, quando celebrarmos os grandes momentos deste Ano da Fé, dentre
os quais a Jornada Mundial da Juventude Rio2013, aFé Cristã seja testemunhada
tão eficazmente nas grandes proporções desse evento quanto o deve ser nas
circunstâncias do dia-a-dia.
Nesta
perspectiva, tenhamos todos a consciência, sobretudo os jovens, de que somente
na amizade com Cristo se abrem de par em par as portas da vida, somente nesta
amizade se abrem realmente as grandes potencialidades da condição humana,
somente nesta amizade experimentamos o que é belo e o que liberta. Por isso,
que a juventude não tenha medo de Cristo! ele não tira nada, ele dá tudo. Quem
se doa por ele, recebe cem vezes mais.
Que
a juventude abra as portas a Cristo, assuma o protagonismo que o Ano da Fé lhe
confia e encontre a vida verdadeira e a felicidade sem fim!
† Orani João Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ
9 de novembro de
2012
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